segunda-feira, maio 29, 2006

Uma pequena história...

"Entrei apressado e com muita fome no restaurante.
Escolhi uma mesa bem afastada do movimento, pois queria aproveitar os poucos minutos de que dispunha naquele dia atribolado para comer e consertar alguns bugs de programação de um sistema que estava desenvolvendo, além de planear minha viagem de férias, que há tempos não sei o que são.
Pedi um filé de salmão com alcaparras na manteiga, uma salada e um sumo de laranja, pois afinal de contas fome é fome, mas regime é regime, né?
Abri meu notebook e levei um susto com aquela voz baixinha atrás de mim:
- Tio, dá um trocado?
- Não tenho, menino.
- Só uma moedinha para comprar um pão.
- Está bem, compro um para você.
Para variar, minha caixa de entrada estava lotada de e-mails. Fico distraído vendo poesias, as formatações lindas, dando risadas com as piadas malucas. Ah! Essa música me leva a Londres e a boas lembranças de tempos idos.
- Tio, pede para colocar margarina e queijo também.
Percebo que o menino tinha ficado ali.
- OK, mas depois deixa-me trabalhar, pois estou muito ocupado, tá?
Chega a minha refeição e junto com ela o meu constrangimento. Faço o pedido do menino, e o garçon pergunta-me se quero que mande o garoto ir. Meus resquícios de consciência impedem-me de dizer. Digo que está tudo bem.
- Deixe-o ficar. Traga o pão e mais uma refeição decente para ele. Então o menino sentou-se à minha frente e perguntou:
- Tio, o que está fazendo?
- Estou lendo uns e-mails.
- O que são e-mails?
- São mensagens eletrônicas mandadas por pessoas via Internet. Sabia que ele não iria entender nada, mas a título de livrar-me de maiores questionários disse:
- É como se fosse uma carta, só que via Internet.
- Tio, você tem Internet?
- Tenho sim, é essencial no mundo de hoje.
- O que é Internet, tio?
- É um local no computador onde podemos ver e ouvir muitas coisas, notícias, músicas, conhecer pessoas, ler, escrever, sonhar, trabalhar, aprender. Tem tudo no mundo virtual.
- E o que é virtual, tio?
Resolvo dar uma explicação simplificada, novamente na certeza que ele pouco vai entender e vai deixar-me para comer minha refeição, sem culpas.
- Virtual é um local que imaginamos, algo que não podemos pegar, tocar. É lá que criamos um monte de coisas que gostaríamos de fazer. Criamos nossas fantasias, transformamos o mundo em quase como queríamos que fosse.
- Legal isso. Gostei!
- Mocinho, você entendeu o que é virtual?
- Sim, tio, eu também vivo neste mundo virtual.
- Você tem computador?
- Não, mas meu mundo também é desse jeito... Virtual. Minha mãe fica todo dia fora, só chega muito tarde, quase não a vejo. Eu fico cuidando do meu irmão pequeno que vive chorando com fome, e eu dou água para ele pensar que é sopa. Minha irmã mais velha sai todo dia, diz que vai vender o corpo, mas eu não entendo, pois ela sempre volta com o corpo. Meu pai está na cadeia há muito tempo. Mas sempre imagino nossa família toda junta em casa, muita comida, muitos brinquedos de Natal, e eu indo ao colégio para virar médico um dia. Isto não é virtual, tio?
Fechei meu notebook, não antes que as lágrimas caíssem sobre o teclado.Esperei que o menino terminasse de literalmente "devorar" o prato dele, paguei a conta e dei o troco para o garoto, que me retribuiu com um dos mais belos e sinceros sorrisos que eu já recebi na vida, e com um "Brigado tio,você é legal!".
Ali, naquele instante, tive a maior prova do virtualismo insensato em que vivemos todos os dias, enquanto a realidade cruel rodeia de verdade, e fazemos de conta que não percebemos!"
Foi-me enviado por e-mail,
como achei serem poucas as pessoas a quem o reencaminhei
resolvi divulgá-lo e dizer o que me disseram:
PAREM E PENSEM UM POUCO!

domingo, maio 28, 2006

Lembrança de um amigo...

Obrigada João pela tua amizade linda!

sexta-feira, maio 26, 2006

Marcas das nossas vidas!

Marcas...Existem coisas pequenas e grandes, coisas que levaremos para o resto de nossas vidas.
Talvez sejam poucas, quem sabe sejam muitas, depende de cada um, depende da vida que cada um de nós levou.
Levaremos lembranças, coisas que sempre serão inesquecíveis para nós, coisas que nos marcarão, que mexerão com a nossa existência em algum instante.
Provavelmente iremos pela vida fora colecionando essas coisas, colocando em ordem de grandeza cada detalhe que nos foi importante, cada momento que interferiu nos nossos dias, que deixou marcas, cada instante que foi cravado no nosso peito como uma tatuagem.
Marcas, isso... serão marcas, umas mais profundas, outras superficiais porém com algum significado também.
Serão detalhes que guardaremos dentro de nós e que se contarmos para terceiros talvez não tenha a menor importância pois só nós saberemos o quanto foi incrível vivê-los.
Poderá ser uma música, quem sabe um livro, talvez uma poesia, uma carta, um e-mail, uma viagem, uma frase que alguém tenha nos dito num momento certo.
Poderá ser um raiar de sol, um buquê de flores que se recebeu, um cartão de natal, uma palavra amiga num momento preciso.
Talvez venha a ser um sentimento que foi abandonado, uma decepção, a perda de alguém querido, um certo encontro casual, um desencontro proposital.
Quem sabe uma amizade incomparável, um sonho que foi alcançado após muita luta, um que deixou de existir por puro fracasso.
Pode ser simplesmente um instante, um olhar, um sorriso, um perfume, um beijo.
Para o resto de nossas vidas levaremos pessoas guardadas dentro de nós. Umas porque nos dedicaram um carinho enorme, outras porque foram o objecto do nosso amor, ainda outras por terem nos magoado profundamente, quem sabe haverão algumas que deixarão marcas profundas por terem sido tão rápidas em nossas vidas e terem conseguido ainda assim plantar dentro de nós tanta coisa boa.
Lá na frente é que poderemos realmente saber a qualidade de vida que tivemos, a quantidade de marcas que conseguimos carregar conosco e a riqueza que cada uma delas guardou dentro de si.
Bem lá na frente é que poderemos avaliar do que exactamente foi feita a nossa vida, se de amor ou de rancor, se de alegrias ou tristezas, se de vitórias ou derrotas, se de ilusões ou realidades.
Pensem sempre que hoje é só o começo de tudo, que se houver algo errado ainda está em tempo de ser mudado e que o resto de nossas vidas de certa forma ainda está em nossas mãos.
É que a vida é tão curta!
E nós nunca dispomos de tempo suficiente para alegrar os corações daqueles que percorrem a estrada connosco.
As marcas ajudam a crescer e a engrandecer sejam elas marcas mais profundas ou menos profundas.
São marcas, são tatuagens, são palavras, são olhares e sorrisos, são lágrimas e gestos, enfim...
E eu carrego as minhas marcas que me enobrecem o espírito e me ajudam a aperfeiçoar, a corrigir e a ser feliz.
Sou Feliz porque vou encontrando marcas, onde vou dando umas pinceladas para lhes avivar a cor ou diluindo alguma imperfeição.
Sou feliz porque tenho uma família e pessoas amigas que vão dando uns retoques nessas marcas para as tornar mais significativas e por fim todos juntos damos-lhe o toque final para as partilhar.
São as marcas que me fazem feliz e a família e as pessoas amigas as enobrecem.

(Silvana Duboc)

quinta-feira, maio 18, 2006

A Vida!


A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai;
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou.
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!
(...)


João de Deus Ramos

Quadras Soltas



Não há nenhum milionário
Que seja feliz como eu:
Tenho como secretário
Um professor do liceu.

Sei que pareço um ladrão...
Mas há muitos que eu conheço que,
Sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.

De vender a sorte grande,
Confesso, não tenho pena;
Que a roda ande ou desande
Eu tenho sempre a pequena.


És feliz, vives na alta
E eu de ratos como a cobra.
Porquê? Porque tens de sobra
O pão que a tantos faz falta.

Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem comer,
Se disser que tem fome,
Comete um crime, sem querer.

Eu não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

P'ra a mentira ser segura
E atingir profundidade,
Tem de trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.

Que importa perder a vida
Em luta contra a traição,
Se a razão, mesmo vencida
Não deixa de ser Razão.

Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do Mundo,
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.

Uma mosca sem valor
Poisa c’o a mesma alegria
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.


Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da nação;
Vendo jogo, guardo gado,
Só me falta ser ladrão.

Co'o mundo pouco te importas
Porque julgas ver direito.
Como há-de ver coisas tortas
Quem só vê o seu proveito?

À guerra não ligues meia,
Porque alguns grandes da terra,
Vendo a guerra em terra alheia,
Não querem que acabe a guerra.


Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo,
Calai-vos, que pode o povo
Q'rer um mundo novo a sério.

Não é só na grande terra
Que os poetas cantam bem:
Os rouxinóis são da serra
E cantam como ninguém

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista...
Ver as coisas mais além
Do que alcança a nossa vista!

Desejos Vãos

Eu queria ser o Mar de altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu queria ser a Pedra que não pensa,
A pedra do caminho, rude e forte!

Eu queria ser o sol, a luz intensa
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu queria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão é ate da morte!

Mas o mar também chora de tristeza...
As árvores também, como quem reza,
Abrem, aos céus, os braços, como um crente!

E o sol altivo e forte, ao fim de um dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as pedras... essas... pisá-as toda a gente!...
Florbela Espanca - Fanatismo

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não es sequer razão do meu viver,
Pois que tu es já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo , meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!"

Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu es como Deus: Princípio e Fim!..."

Florbela Espanca

Anseios


Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quirneras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não 'stendas tuas asas para o longe..
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela,a soluçar...

Florbela Espanca



Da minha janela


Mar alto! Ondas quebradas e vencidas
Num soluçar aflito e murmurado...
Ovo de gaivotas, leve, imaculado,
Como neves nos píncaros nascidas!

Sol! Ave a tombar, asas já feridas,
Batendo ainda num arfar pausado...
Ó meu doce poente torturado
Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!

Meu verso de Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Como branco lilás que se desfaça!

Amor! teu coração trago-o no peito...
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!



terça-feira, maio 09, 2006

Desfecho





















Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte).

Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto
calado
E paciente...

E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silenciosa na agressão.

Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia...
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
Miguel Torga

sexta-feira, maio 05, 2006

Guardador de Rebanhos


O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho costume de andar pelas estradas,
Olhando para a direita e para a esquerda
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para eterna novidade do mundo...
Creio no mundo como um malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...

Fernando Pessoa

Teus olhos entristecem...


Teus olhos entristecem.
Nem ouves o que digo. Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.
Digo o que já, de triste, te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.
Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.
Continuo a falar. Continuas ouvindo
O que estás a pensar, Já quase não sorrindo.
Até que neste ocioso Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso...
O teu sorriso inútil.

Fernando Pessoa

quinta-feira, maio 04, 2006

Ser Poeta é...

Sinto-me poeta
Ser poeta é ser alma
É ser fingidor,
Sonhador
Um eterno sonhador
Perfeccionista na arte da ilusão
Não do iludir, mas de se iludir
Criar amores no ódio
Apaixonar-se pelo escuro
Viver cego, fugindo da luz do dia
Ser poeta é sofrer sempre
Sempre com um sorriso nos lábios
Por ser a dor da alma que alimenta
O prazer de escrever
Tudo o que todos sentem
Ser poeta é amar o medo
Viver dele
Crescer e brincar com a dor
Ignorar os punhais
Espinhos de rosas oferecidas
Viver do sangue que corre
Fora das veias
Jorrado
Largado
Beber das lágrimas caídas
Sempre
Mesmo sem porquês
Ser poeta é chorar
A dor que não sente
Sentindo a mesma ainda maior
Ser poeta é brincar com o fogo
Sentir o coração queimar
Arder lento
Morrer devagar a cada palavra
Não deixando nunca de escrever
O que todos sentem
O que todos temem
Amor, ódio
Paixão ou mágoa
Ser poeta é sentir
Ser poeta é sofrer
Ser poeta é ser humano
Por sofrer, por fingir, por mentir
Por sentir tudo o que sinto
Por escrever o que não sinto
Por amar o que odeio
Por brincar com o fogo que me queima
Por sorrir quando quero chorar
E chorar na solidão das palavras
Sinto-me poeta.
Fernando Pessoa