Uma pequena história...

"Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente... Amar! Amar! E não amar ninguém!" Florbela Espanca
Não há nenhum milionário
Que seja feliz como eu:
Tenho como secretário
Um professor do liceu.
Sei que pareço um ladrão...
Mas há muitos que eu conheço que,
Sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.
De vender a sorte grande,
Confesso, não tenho pena;
Que a roda ande ou desande
Eu tenho sempre a pequena.
És feliz, vives na alta
E eu de ratos como a cobra.
Porquê? Porque tens de sobra
O pão que a tantos faz falta.
Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem comer,
Se disser que tem fome,
Comete um crime, sem querer.
Eu não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.
P'ra a mentira ser segura
E atingir profundidade,
Tem de trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.
Que importa perder a vida
Em luta contra a traição,
Se a razão, mesmo vencida
Não deixa de ser Razão.
Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do Mundo,
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.
Uma mosca sem valor
Poisa c’o a mesma alegria
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.
Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da nação;
Vendo jogo, guardo gado,
Só me falta ser ladrão.
Co'o mundo pouco te importas
Porque julgas ver direito.
Como há-de ver coisas tortas
Quem só vê o seu proveito?
À guerra não ligues meia,
Porque alguns grandes da terra,
Vendo a guerra em terra alheia,
Não querem que acabe a guerra.
Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo,
Calai-vos, que pode o povo
Q'rer um mundo novo a sério.
Não é só na grande terra
Que os poetas cantam bem:
Os rouxinóis são da serra
E cantam como ninguém
Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista...
Ver as coisas mais além
Do que alcança a nossa vista!
Florbela Espanca
Meu verso de Samain cheio de graça,
Inda não és clarão já és luar
Como branco lilás que se desfaça!
Amor! teu coração trago-o no peito...
Pulsa dentro de mim como este mar
Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te...
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte).
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente...
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tu não usas,
Sempre silenciosa na agressão.