quinta-feira, maio 18, 2006

Quadras Soltas



Não há nenhum milionário
Que seja feliz como eu:
Tenho como secretário
Um professor do liceu.

Sei que pareço um ladrão...
Mas há muitos que eu conheço que,
Sem parecer o que são,
São aquilo que eu pareço.

De vender a sorte grande,
Confesso, não tenho pena;
Que a roda ande ou desande
Eu tenho sempre a pequena.


És feliz, vives na alta
E eu de ratos como a cobra.
Porquê? Porque tens de sobra
O pão que a tantos faz falta.

Quem nada tem, nada come;
E ao pé de quem tem comer,
Se disser que tem fome,
Comete um crime, sem querer.

Eu não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria,
Mas dão-me as horas amargas
Lições de Filosofia.

P'ra a mentira ser segura
E atingir profundidade,
Tem de trazer à mistura
Qualquer coisa de verdade.

Que importa perder a vida
Em luta contra a traição,
Se a razão, mesmo vencida
Não deixa de ser Razão.

Embora os meus olhos sejam
Os mais pequenos do Mundo,
O que importa é que eles vejam
O que os homens são no fundo.

Uma mosca sem valor
Poisa c’o a mesma alegria
Na careca de um doutor
Como em qualquer porcaria.


Fui polícia, fui soldado,
Estive fora da nação;
Vendo jogo, guardo gado,
Só me falta ser ladrão.

Co'o mundo pouco te importas
Porque julgas ver direito.
Como há-de ver coisas tortas
Quem só vê o seu proveito?

À guerra não ligues meia,
Porque alguns grandes da terra,
Vendo a guerra em terra alheia,
Não querem que acabe a guerra.


Vós que lá do vosso império
Prometeis um mundo novo,
Calai-vos, que pode o povo
Q'rer um mundo novo a sério.

Não é só na grande terra
Que os poetas cantam bem:
Os rouxinóis são da serra
E cantam como ninguém

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista...
Ver as coisas mais além
Do que alcança a nossa vista!